quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Romilde

Fui uma criança muito sozinha, não tinha amigos. Eu tinha hábitos, preferências e comportamentos diferentes, mas como não tinha base comparativa, não sabia que era diferente. Eu me sentia atraída por meninas, e achava que isso fosse normal, que as outras meninas também sentissem isso. Desenvolvi minha personalidade pautada nas minhas próprias reflexões, vontades, ímpetos, livre da influência de outras crianças. Para mim, gostar de garotas era totalmente natural, por isso nunca tive problemas em me aceitar, e também por isso tampouco compreendo quando leio depoimentos onde as pessoas relatam seu grande sofrimento em se aceitar como homossexual. Acho que foi por volta dos dez, onze anos, quando começaram as paqueras e namoricos na sala de aula... Tive aquele insight e comecei a reparar que as meninas se interessavam pelos meninos, que os adultos casavam-se sempre com pessoas do sexo oposto, e que aquela amiga do meu pai que tinha cabelo curto e se vestia de homem já devia ter uns 40 anos e morava sozinha, nunca teve filhos nem namorados, apenas amigas. Um tempo depois comecei a namorar um rapaz, mas gostava da melhor amiga dele, e o namoro acabou assim que ela mudou-se para outra cidade. Aos quinze, apaixonei-me por uma garota, mas não nos envolvemos porque minha mãe enfrentava um divórcio muito duro e achei que não era o melhor momento. Aos dezesseis, conheci a moça com quem estou até hoje e retendo me casar. E por ela valeria a pena investir na relação e assumir para a minha mãe. Gente, eu achei que seria tranqüilo, pois ela é uma mulher jovem e sempre se mostrou moderna, cabeça aberta. Quando contei, ela entrou em depressão, ameaçou me matar, tentou suicídio, ameaçou processar minha namorada, cortou internet, telefone, dinheiro, liberdade, e até a minha privacidade. Dizia-me coisas horríveis, ameaçava muito, praguejava sempre, falava que eu jamais teria sucesso profissional, que as portas estariam sempre fechadas pra mim, que os homossexuais eram pessoas promíscuas, drogadas, vulgares, ignorantes e sozinhas.
Eu, como não tinha contato com nenhum gay e só conhecia aqueles escandalosos que a gente vê na rua, não achava aquilo um tremendo absurdo, apenas dizia a ela que eu não seria assim. Bem... Tudo mudou na minha vida quando eu passei no vestibular e saí de casa. Vim morar na cidade da minha namorada, o que só foi possível porque dois meses antes eu dissera à minha mãe que era mesmo fase, que tinha passado. Aqui pude perceber que os homossexuais que minha mãe desenhou um dia pra mim eram um estereótipo ridículo criado pelo preconceito da sociedade. Conheci pessoas maravilhosas, inteligentes, bem sucedidas, discretas, respeitadas, livres, e muito, muito felizes, e pude me compreender e me aceitar com tranqüilidade. Ainda assim, não sou totalmente assumida pros outros. Não nego nem minto, porém mantenho a discrição em locais públicos, só baixo a guarda em lugares gays. Em casa, após um ano inteiro de guerra e inferno, já faz um outro ano que eu e minha mãe estamos muito bem... Ela simplesmente apagou aquela parte da nossa vida, e hoje finge que nada aconteceu. Antes de eu sair de casa, ela disse que se soubesse de mim com uma garota, não seria mais minha mãe. Por isso eu não toco mais no assunto, ela finge que não sabe, e estamos bem, vivendo uma mentira. Sinto-me muito triste em pensar que terei sempre que escolher com quem vou passar o natal, a páscoa, as férias, o ano novo e tudo mais, pois minha mãe nunca aceitará a minha namorada. Entretanto, tenho que respeitar isso. Minha mãe não me proíbe de namorar meninas, eu não imponho a ela meu relacionamento. Mesmo com isso, sou feliz. Tenho uma carreira sólida na faculdade, uma vida social ótima, a amorosa, nem se fala, me aceito plenamente e sou completamente satisfeita comigo mesma.

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